É interessante este movimento contra a corrupção que a cada fim de semana tem tomado a Avenida Paulista. São combatentes da corrupção do lado contrário do espectro. A que está bem próxima é relegada à insignificância. Mas é assim que funciona. Seria utopia imaginar alguém lançando luz sobre seus próprios deslizes, ou sobre os malfeitos daqueles nos quais acredita.

O trânsito das grandes cidades é um bom lugar para a gente refletir sobre como avaliamos os fenômenos sociais que nos cercam. Vejamos: se estamos dirigindo a 80 km/h e alguém passa por nós a uma velocidade superior, logo dizemos: “que maluco! Depois morre e não sabe a razão”. Por outro lado, se estamos dirigindo a 100 km/h e o motorista à frente está 80 km/h, mais que depressa vociferamos: “que lesma! Não quer andar, saia da frente”.

Percebe? Sempre a minha visão é a correta. Eu estou sempre certo, independentemente das circunstâncias. É exatamente assim que vejo os movimentos da Paulista. Lembra-se do adágio do “macaco sentado sobre o próprio rabo rindo-se do rabo do vizinho”?

Vejo essas manifestações recentes na Avenida Paulista como resultado de dois episódios sociais e políticos interligados: um seria a “dor-de-cotovelo” pós-eleição e o outro o renascimento de um movimento elitista contra um projeto de inclusão e distribuição de riquezas. E esses dois fenômenos são conectados, pois os insatisfeitos contavam com uma vitória nas urnas para ter seus anseios atendidos. A derrota os deixou sem chão, pois esta era a grande chance. Afinal, a má avaliação do governo atual se mostrava como esperança para eles. Entretanto, na reta final, os que preferiam a manutenção da incumbente foram maioria.

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E esse movimento dos “revoltados” não me parece novo, pois, guardadas as proporções históricas, há um vínculo intrínseco com os levantes contra Getúlio Vargas e João Goulart. Veja bem, Vargas, ao se empenhar pelo crescimento endógeno e pela ampliação de políticas sociais, foi, para usar uma palavra bem comum à época, vilipendiado por uma elite financeira representada no udenista Carlos Lacerda. Igual sina enfrentou Goulart, pois, mesmo sendo latifundiário e empresário, estava sendo “acusado” de querer implantar o comunismo no Brasil; isto porque falava em garantir qualidade de vida, educação, saúde e terra para todos os brasileiros. Deu no que deu: Getúlio tirou a própria vida e atrasou o golpe militar em 10 anos. E o maldito golpe caiu no colo de Jango, o tal comunista.

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Agora, a palavra é outra, mas também termina com “ismo”: ou seja, o “bolivarianismo”. Em tempo, estão usando o ismo errado para o discurso que fazem. O correto seria “chavismo”, se, de fato, coubesse à nossa realidade.

A jornalista peruana Marie Arana, editora literária do jornal norte-americano The Washington Post e biógrafa de Simon Bolívar, destaca o erro crasso. Ela afirma que os que associam palavra bolivarianismo a um modelo socialista atribuído a Hugo Chaves, Rafael Correa e a Evo Morales estão completamente enganados.

Marie Arana disse à BBC Brasil que “a apropriação do nome de Bolívar é espantosa, porque ele tinha ideias fortes sobre injustiça, esclarecimento popular, liberdade. Estas eram as coisas básicas nas quais ele acreditava. E a apropriação de seu nome por esta aliança de esquerda e socialista é errada historicamente e inapropriada”. Viu bem? Este é um outro assunto, mas se você quiser ler a entrevista toda, eis o link:

(http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/141007_ted_bolivarianismo_rb).

De toda forma, é completamente despropositado este sectarismo retrógrado, porque os tempos são outros. O Brasil, apesar da sua jovem democracia, está avançando bem. As instituições estão cada vez mais autônomas, agindo de forma independente, para o bem do país, e investigando os desvios. Se todos estão sabendo dos casos de corrupção é porque a Polícia Federal investiga, o Judiciário expede seus mandados, o Ministério Público também segue a perscrutar livremente. Além disso, a imprensa está, sem impedimentos, (apesar de seletivamente) contando “tudo” para a audiência. Ainda bem que é assim. Há alguns anos não era possível tamanha liberdade.

Portanto, esse blá-blá-blá de que o Brasil vai virar uma Venezuela, uma Cuba, é lenda, é discurso estulto de quem parece não ter coragem de apresentar suas agendas políticas próprias. Seria muito melhor terem coragem de defender a privatização da Petrobras, a redução do papel do Estado, o fim das políticas de transferência de renda, deixando a conquista da equidade aos cuidados do mercado forte. É só esgoelar esse pensamento. Tentar convencer a maioria de que isso é bom.

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Contudo, é bem mais fácil ficar espalhando coscuvilhices, à lá mexeriqueiros de plantão, que enfrentar uma batalha de ideias.

O Brasil está entre a quinta e sétima maiores economias do mundo, dependendo do método de mensuração, é extremamente globalizado, economia de mercado, com largo intercâmbio financeiro internacional. Qual seria o governante, numa época dessas, que gostaria de voltar aos auspícios da Revolução de Outubro de 1917?

Aquilo já não faz mais sentido, passou, só tem espaço nos livros de história. A realidade agora é outra. É o Brasil dos ricos e dos pobres. Não se pode governar para uns em detrimento dos outros. Antes, infelizmente, apenas uma elite financeira engordava suas contas. Agora, ela está ainda mais rica, mas vê o crescimento, ainda lento, é verdade, daqueles que por anos foram relegados ao esgoto.

Por fim, parece-me que os incomodados com a quantidade de pessoas humildes nos aeroportos (chamados por alguns de farofeiros), com os “pobretões” comprando carros, matriculando-se nas universidades, fazendo mestrado, doutorado, acharam uma desculpa no “combate” à corrupção. Seria muito bom se esse fosse o verdadeiro foco das manifestações da Paulista, mas, infelizmente, não é. Se fosse, não haveria seleção de fatos convenientes. Corrupção é corrupção em qualquer lado do espectro. O resto é conversa fiada.

De toda forma, estamos numa democracia, e as pessoas têm o direito constitucional de se manifestar. Quem prefere um país democrático deve aplaudir o povo na rua. Claro, nunca é o povo como um todo, mas fragmentos desse todo. Mesmo assim, cada fragmento, sendo maior ou menor, tem o direito de reclamar.